Jazmina Barrera y Alejandro Zambra (y su hijo)
#44 -- ensaios sobre maternidade e paternidade; uma comparação entre 'Literatura infantil' e 'Linea nigra'
O livro Literatura infantil, o mais recente do chileno Alejandro Zambra, é uma resposta ao ensaio Linea Nigra, da mexicana Jazmina Barrera. Um complemento. Escutei o audiolivro na voz do próprio Alejandro e, assim que terminei as cinco horas de áudio, dei play novamente desde o início.
Costumo fazer isso quando escuto livros de não ficção para reter melhor as informações que estou lendo/escutando e aproximar a experiência do áudio à leitura habitual, a leitura com os olhos. E depois que ouvi o livro pela segunda vez, retomei o primeiro capítulo do ensaio de Jazmina Barrera. Me forcei a parar. Interrompi o ciclo antes que escutasse os dois títulos em repetição eterna. Realmente, Literatura infantil é uma resposta.
Linea Nigra fala sobre maternidade, artes visuais, terremotos, ser mãe pela primeira vez e ser filha. Literatura infantil é uma coletânea de ensaios mais curtos que rondam o tema da paternidade. Como Alejandro chega a dizer em um dos textos, qualquer que fosse o tema de suas escritas, acabaria falando de seu filho. No final das contas, Zambra escreveu todo um livro para divulgar o nome de um cara que reclamou do choro de seu filho pequeno num voo internacional.
Literatura infantil é sobre leitura. Linea nigra, sobre escrita. Zambra olha para sua relação com o pai. Barrera para a relação com a mãe. O que significa ser um pai escritor. O que significa ser uma mãe escritora. Dois pontos de vista sobre literatura para pais de primeira viagem, sobre livros infantis. Duas versões para um primeiro encontro que, mais pra frente, rendeu um filho. Gostei mais do livro de Jazmina Barrera, escrevi sobre ele quando estava vendo a segunda e a terceira temporada da adaptação da Tetralogia Napolitana na TV. É um ensaio único, mais estruturado, com mais detalhes e reflexões. Zambra me ganha no saudosismo. Escutar o livro em espanhol chileno é golpe baixo.
Conheci Zambra no ano que morei em Santiago, no Chile, vivendo num bairro vizinho ao da universidade em que ele dava aulas naquela época. 2012 foi o ano de estreia da adaptação de Bonsái. Fui assistir num cinema de rua e depois comprei o livro. De volta, acompanhava as traduções que saíam por aqui. Os livros curtos lançados pela finada Cosac Naify ainda estão descorando sob o sol de São Luís que bate na prateleira de um dos quartos do apartamento de mamãe. Lá estão os livros que ainda não trouxe comigo. Fiquei com esse gosto pelo Zambra adormecido até o ano passado, quando encarei o audiolivro de Poeta chileno, também narrado pelo autor.
Por esses tempos, descobri que ele era casado com uma escritora mexicana (que hoje trato na maior intimidade, como Jazmina) e me apressei a conhecer o romance Punto de cruz. Os temas parecidos me surpreenderam. Davam a impressão de que os dois escritores estavam conversando naqueles dois livros. Que existia uma troca constante entre eles. Com os livros sobre maternidade e paternidade, veio a confirmação.
Num dos ensaios de Zambra, ele comenta que Jazmina interpreta seus rascunhos de Literatura infantil como contos, não ensaios. Alega que determinada personagem está fora de tom, forçada. Zambra se defende, está falando de uma pessoa que realmente existiu, uma pessoa que era exatamente daquele jeito. Esse escape de rotina de marido e mulher escritores ficou martelando na minha cabeça porque é o que sempre imagino do casal Zélia Gattai e Jorge Amado. Que, no íntimo, discutiam seus projetos literários. Só não chegaram a abrir o jogo para nós, leitores. Daí, dessa reserva, surgiu a ideia absurda de que escritor e escritora, casados, não teriam influência alguma na obra um do outro.
Volto a Literatura infantil. É uma carta ao filho. O autor imagina, e idealiza, o momento futuro em que o próprio filho estará lendo aquelas palavras escritas enquanto o menino ainda aprendia a ler. Escrever sobre paternidade, nesse caso, me parece uma provocação. Num dos capítulos curtos do primeiro ensaio, que dá nome ao livro, Zambra fala de um conselho que um escritor premiado deu a uma amiga, também escritora: “Não relate seus sonhos, por favor, e nem pense em falar de filhos ou de animais de estimação”. Sem desconsiderar o fator de gênero, ele encara esse conselho como um desafio.
Um dos textos mais interessantes é “Francês para principiantes”, a partir das leituras que pai e filho fazem ao dormir e ao acordar. Jazmina está viajando, e o menino quer escutar o livro do “Topo” (toupeira), ali disponível numa edição em francês. É o primeiro livro que Zambra lê em francês, ninguém fala o idioma na família, foi um acidente. Não importa como está escrito um livro que você já leu tantas vezes que entende o significado de todas as frases. Era um livro que a mãe de Jazmina lia com ela.
No ensaio, o autor discute sobre a leitura em voz baixa, individual. Para o filho, ver o pai lendo sozinho (“seus livros de adulto”) era um absurdo. O menino se colocava na frente no livro, interrompia o momento. Aqui vai um trecho, no original: “verme leyendo solo, en silencio, comenzó a volverse para ti intolerable y me quitabas el libro o rompías la hoja. Y es que la lectura en silencio parece individualista, avara, marchita. Ahora, cuando me sorprendes en el acto mezquino de leer en silencio, me pides que lea en voz alta y yo siempre acepto.”
Escutei essas palavras voltando para casa, para a casa antiga, numa linha de ônibus que não faz mais parte da minha rotina. Alejandro Zambra, o próprio, lia em voz alta as palavras de seu livro pra mim. Direto para a linha (216) Cabral - Portão, sentido Portão, Curitiba, Paraná, Brasil. Volta e meia quando escuto um audiolivro, ainda me questiono se não deveria estar lendo, lendo de verdade. Não ouvindo. Lendo com os olhos que saltam pelas páginas. Acompanhando cada linha lida com o dedo indicador da mão direita. Não. Imagine. Perder de escutar em chileno um texto finalizado ainda agora, em janeiro deste ano.
mais doses
Linea nigra foi publicado em português pela Editora Moinhos, com tradução de Silvia Massimini Felix. Se não me engano, a mesma editora deve lançar a tradução de Punto de cruz. A obra de Zambra é publicada pela Companhia das Letras. Ainda não vi nada sobre a versão traduzida de Literatura infantil. A capa desse livro, na Editorial Anagrama, foi ilustrada por Liniers.
Em vídeo, Alejandro Zambra recomienda seis libros sobre la infancia y la experiencia de la paternidad.
Eu não quero um novo eletrodoméstico: O fim de uma era em que eu fui a neta que não comprava eletrodomésticos, por
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Eu nunca ouvi um livro. Mas fiquei aqui imaginando a tua experiência. Nunca li nada do Zambra, mas nas minhas rodas o Poeta Chileno foi muito elogiado. Segue na lista.
Adorei seu texto
Lembro de alguém falando que áudiolivros são o jeito do nosso eu-adulto suprir a necessidade do nosso eu-criança de ter alguém lendo em voz alta pra nós. Parece muito adorável isso dos textos do casasl conversarem entre si (minhas definições de romance foram atualizadas kkkkkk)