Pertencimento e desarraigo
#40 -- cultura de pertencimento a partir de ensaios de bell hooks e um romance de Brenda Navarro
A ideia de lugar, de pertencer a um lugar, é um assunto recorrente a muitos de nós. Um lar de verdade é o lugar — qualquer lugar — onde há um estímulo ao crescimento, onde existe constância. A necessidade humana por constância persiste. Para de fato pertencer a algum lugar, deve-se entender o fundamento do ser. Um lugar onde se sentir parte de uma cultura de pertencimento. Um lugar onde é possível se sentir em casa, uma paisagem da memória, do pensamento e da imaginação.
Essas frases foram pinçadas de diferentes ensaios de bell hooks reunidos no livro Pertencimento. Os textos dão conta de apresentar um panorama sobre a vida da escritora que o leitor vai entendendo melhor a cada capítulo: a infância nas colinas do Kentucky (“rodeada de pessoas brancas que não demonstravam racismo evidente”), a saída para estudar, os trinta anos morando fora (tentando pertencer a outro lugar) e, enfim, o retorno.
Assim como muitas pessoas da minha geração, quero encontrar meu lugar neste mundo, experimentar a sensação de retorno ao lar, a sensação de estar ligada a um local. (no ensaio pertencimento e sua dimensão de cura)
Foi depois de ler esse livro que consegui dizer a mim mesma algo que já passava pela minha cabeça. Que nunca voltarei a morar na cidade onde nasci. Levo seis anos completos vivendo em Curitiba. Nem eu acredito que já passou tanto tempo. Antes disso, São Paulo, São Luís, Florianópolis e São Luís. Com um pulo em Santiago nesse meio tempo. Como bell hooks em cidades estadunidenses, tentei que cada uma dessas cidades fosse o meu lugar no mundo. Pra ser sincera, eu ainda não sei se Curitiba é esse lugar. Tenho uma tendência pessimista de acreditar que esse lugar nem existe mais. Melhor me aquietar do que passar a vida toda procurando. Nem sei se acredito no que acabei de escrever.
Quando as pessoas que moram longe da terra natal e nunca a visitam voltam “para casa”, elas habitam uma paisagem psíquica diferente daqueles que constantemente retornam, constantemente enfrentam o conflito entre ir embora ou ficar. [...] Senti esses laços me prendendo e me segurando aonde quer que fosse. Como não houve separação violenta entre mim, meu passado e minha família, não senti a necessidade de destruir todas as sementes de esperança que poderiam nutrir uma vontade de voltar para casa. (no ensaio retome a noite, reconstrua o presente)
bell hooks escreve que se sentiu no exílio quando saiu do Kentucky. A sensação de ter sido forçada a deixar a sua terra natal porque seu desenvolvimento (‘a realização completa de seu potencial’) não era permitido ali. Por muitos anos, contei essa mesma história. Que mudei de cidade e de região em busca de oportunidades melhores. A desculpa perfeita. Para mim, houve sim uma separação violenta entre mim, meu passado e, digamos, minha reputação. Precisava começar do zero em outro lugar.
Por isso sempre rejeitei a palavra ‘exílio’ para falar da minha experiência fora de São Luís. Não fui expulsa, nem obrigada a sair. Foi uma escolha. Aprendi um termo melhor: desarraigo. Esbarrei nessa palavra enquanto escutava o livro Ceniza en la boca da escritora mexicana Brenda Navarro. Resumindo, é uma história sobre um par de irmãos que se mudam da Cidade do México para Madrid, na Espanha, depois de anos que a mãe deles já havia emigrado. Fala bastante sobre tentar entender qual o nosso lugar no mundo por causa das idas e vindas dos personagens.
Desarraigo é uma dessas palavras que conheci em castellano para depois saber que também constam no dicionário de português. Desarraigar é arrancar pela raiz. EXTIRPAR. Ainda é um conceito sobre tirar alguém de determinado lugar, com uso de força. Inspirada pelo livro de Brenda Navarro, principalmente na parte em que a narradora da história retorna ao México para levar as cinzas do irmão falecido e aí se dá conta de que aquele não é mais seu lugar.
mais doses
#8 - minha nova obsessão do cinema se chama Sarah Polley - Catharina Mattavelli na
.Tudo pode ser um fetiche (e nem tudo é sobre sexo) - Vanessa Guedes na
.A representatividade LGBT tá acabando? - análise de Louie Ponto sobre o cancelamento de séries com protagonismo de mulheres e sáficas.
Comecei a escrever uma resenha curta sobre cada livro que tenho lido. Dá para me acompanhar no goodreads e no skoob.
Eu gosto bastante desse tema de pertencimento, também por motivos pessoais, e curti muito essa edição. Vou procurar esse livro da bell hooks!
Achei a palavra desarraigo muito bela, não conhecia. Gosto muito dos seus textos e de como você integra suas vivências e comentários sobre suas leituras e outras obras da cultura pop.