Não sei tirar foto bonita de comida
#12 -- cozinhar agarradinha; receitas pro dia a dia e receitas pra fazer no domingo; a derrocada do quiche; a trilha sonora é borbulhas de amor
Só fui aprender a fazer uma compra do mês decente nesses tempos de confinamento. Foi um baita avanço entre ter que ir no mercado três vezes numa mesma semana e conseguir fazer uma lista habilidosa a ponto de só precisar repor as verduras e eventuais ingredientes de receitas diferentonas. Antes, era capaz de chegar em casa e perceber que não tinha nem óleo pra fritar um pastel. Vivia naquela correria de trabalho e estudo.
Parece outra vida essa de chegar depois das dez e meia da noite todos os dias. Não cozinhava no meu cotidiano por passar tempo demais fora de casa. E também porque nunca fui chegada em preparar o básico. Preferia me garantir na praticidade do arroz e feijão do restaurante universitário.
Nos finais de semana, quando estava disposta a passar o dia na cozinha, me dedicava a um cardápio diferente. Escolhia aquela receita longa pra fazer com calma, tomando uma cervejinha e deixando os convidados com tanta fome que, na hora de comer, eles não têm outra alternativa senão encher a tua comida de elogios.
Lá em casa a cozinha nunca foi um cômodo tão movimentado. A minha vó que mais gostava de cozinhar morava longe, em Salvador. As semanas de férias que passávamos com ela não duravam tanto. Pelo menos me lembro de comer as várias fornadas dos biscoitinhos recheados de goiabada que ela fazia pra mim e pra minha irmã.
Na aula de culinária que mamãe me deu antes de me mudar pra fazer faculdade, a gente preparou arroz, carne de sol, farofa e vinagrete. Não era um menu pro dia a dia. Nem sei se tem carne de sol ou farinha d’água pra comprar em Floripa, nunca procurei. Era uma comida de domingo. Pra cozinhar ouvindo as músicas de Fagner que hoje eu procuro nos dias mais saudosos, tomando uma cerveja num copo bem pequenininho pra lembrar ainda mais de São Luís. Mamãe tem pavor de cerveja quente.
Trancada em casa, não tinha mais o restaurante universitário, nem o shawarma da esquina, nem aquele self-service em conta onde trabalhava um sósia de Jon Hamm que costumava chamar de Don Draper decadente. Era eu e a cozinha. A busca por receitas diferentes começou como uma tentativa de me manter animada pra cozinhar. Ou perigava me alimentar apenas de macarrão-alho-e-óleo.
Bom mesmo é ter companhia pra encarar o fogão. Que me perdoem as solteiras, eu gosto mesmo é de cozinhar agarradinha. Já começar picando a cebola com a faca de serrinha mesmo enquanto vamos elaborando a ordem dos preparos. Se é que não deixamos pra decidir só na hora o cardápio da refeição. Algumas divisões acontecem de forma automática. O arroz sempre fica comigo. Sopa é com ela. Feijão também. E a acelga. Eu preparo a salada, faço a farofa, o molho de tomate. Faz um drink pra gente enquanto eu vou picando o alho?
Depois de jogar pro mundo que, apesar de ter uma alimentação basicamente vegetariana, sou um onívora como boa parte do mundo, fiquei pensando como nossa coleção de receitas-do-momento vai mudando com o tempo. Ali pelos meus 20 anos, gostava de reproduzir a lasanha de queijo e presunto da minha mãe com a receita de molho branco herdada da minha vó paterna. Depois, passei pela fase dos quiches, do hambúrguer de lentilha, da batata suiça (ou rosti, como preferir).
Não sei tirar foto bonita de comida, então só vindo aqui em casa pra ver e experimentar essas receitas que tenho feito por esses dias. Se bem que até lá provavelmente já terei mudado meu cardápio. Estão todos convidados.
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pra facilitar a semana
pão caseiro
O pão foi uma novidade da pandemia para evitar as idas recorrentes à padaria. Foi num dia de coragem que me arrisquei na receita do pão dez dobras (difícil resistir ao slogan “não precisa sovar!”) e juntei numa bacia os seguintes ingredientes: 500g de farinha, um pouco de água, 5g de fermento biológico e mais um tantinho de sal. Misturo tudo, deixo descansar por 10 minutos, faço dez dobras, 10 minutos de descanso, mais dez dobras, 10 minutos, dez dobras, 10 minutos, dez dobras. Por que estou escrevendo 10 minutos e dez dobras, diferenciando o numeral do dez por extenso? Vai saber.
Descobri que dá pra fazer bastante coisa nesses dez minutos de intervalo do pão. É possível lavar quase toda a louça acumulada da pia, dar uma varrida na casa ou ler um conto curto. Depois de repetir quatro vezes esse processo de dobras e descanso, deixo a massa parada por mais uma hora e já coloco na forma untada com azeite. Não sem antes fazer mais dez dobras. Com o forno pré-aquecendo, deixo a massa no descanso final que era pra ser de 40 minutos -- vocês sabem como anda o preço do gás. Acabo deixando um pouco menos e dá tudo certo.
De primeira, só fazia a receita acompanhando o passo a passo do vídeo pelo celular. Hoje, o processo é completamente caótico. Duvido que algum pão feito por mim tinha exatamente 500 gramas de farinha e 5 gramas de fermento. Gosto de fazer com água morna, principalmente nos dias frios (afinal, Curitiba). Às vezes arrisco salpicar gergelim antes de assar e até hoje só vi as revoltosas sementes escapulirem para o fundo da forma.
Como o forno daqui não é lá essas coisas, pra ficar douradinho em cima só virando o pão na metade do tempo de forno. É um sacrilégio, eu sei. O que importa é que o pão fica uma delícia. Fazer duas receitas de uma vez e deixar um dos pães congelado em fatias é uma bênção.
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pasta de grão de bico
Quanto tempo dura tahine (pasta de gergelim) aberto na geladeira? Como a primeira página dos resultados de busca não me retornaram uma resposta unânime (cinco dias, alguns meses, um ano, até acabar), vou continuar usando esse aqui comprado em tempos imemoriais.
Comecei a fazer hommus depois que vi uma antiga colega de apartamento preparar a receita. Ter a pasta de grão de bico pronta na geladeira salva o teu café da manhã e, se duvidar, também o lanche da tarde. Com a receita já pronta, melhor consumir dentro da mesma semana.
Agora mesmo tenho cinco potes de grão de bico no congelador. Cozinho o grão em grande quantidade pra aproveitar a viagem, processo que ficou ainda mais prático agora que temos panela de pressão. Reservo também a água do cozimento. Coloco no liquidificador: azeite, uma porção de grão de bico, um pouco da água de cozimento, sal, pimenta do reino, suco de um limão, alho e uma colherinha de tahine – isso quando me lembro dele, que está há tanto tempo na geladeira que já virou parte da decoração. Não tem muito segredo, é só ficar de olho na quantidade de água e não ridicar o azeite.
(Tradução para ridicar: ser canhenga; pão duro).
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granola
Pois é, não pensei que chegaria a esse ponto de adorar comer no café da manhã uma cumbuca de banana, mamão e granola feita em casa. Aparentemente me tornei a própria maria-aveia.
Como boa parte das receitas que faço, parti das versões da Rita Lobo e da Bela Gil pra aprender a fazer granola com o que tiver em casa. Devo ter dado uma olhadinha na receita da Paola Carosella também. A base dos ingredientes são, na maioria das vezes, aveia grossa, linhaça, mel (ainda não experimentei fazer com melado), açúcar mascavo, óleo. Toda vez esqueço a colher de canela e a pitada de sal. As medidas dependem da forma que decido usar no dia. Forno por 20 minutos. Coloco as lascas de coco e as castanhas ou nozes. Prefiro a castanha de caju, mesmo que só tenha um pouquinho na gaveta da cozinha. Depois forno por mais uns minutinhos.
Acabei de perceber que não deveria deixar a granola assar por tanto tempo. Não é à toa que cheguei perto de queimar a fornada nos últimos dois preparos. De qualquer forma, coloco as uvas passas e deixo esfriar antes de guardar. Uma vez achei pra comprar cranberry desidratado pra comprar no bairro e nem fez diferença na receita.
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pra cozinhar ouvindo fagner (& joão gomes)
parmegiana de abobrinha
Corte o alho e deixe o arroz cozinhando logo no começo. Prepare o molho de tomate e deixe apurando na panela por um tempo. Corte as abobrinhas em fatias longitudinais e tempere. Faça um empanado caprichado com farinha de trigo, ovo e farinha panko. Não dá pra esquecer de temperar todas as etapas. Também dá pra empanar sem ovo, decida por aí. Se a farinha panko acabar no meio da receita, sempre dá pra usar a boa e velha farinha de rosca.
Frite as abobrinhas empanadas e já coloque o que tiver frito na forma. Depois cubra com o molho de tomate e o queijo ralado na hora. Acompanha arroz branco, batata frita e salada verde pra você sentir que tá almoçando na calçada de um restaurante num domingo de calor.
Observação: faça pra comer na hora. Depois a fritura fica murcha.
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harumaki, o rolinho primavera
Te dizer que fazer rolinho primavera é mais fácil que inventar de preparar gyoza. A receita da massa provavelmente anotei de um vídeo (200g de farinha de trigo; 300ml de água; 1 colher de chá de maizena e ½ colher de chá de sal). Traduzi as medidas principais para o medidor mais utilizado aqui em casa, um copo americano pequeno (2 copos americanos pequenos de farinha; 2 copos e meio de água).
Modo de fazer: misturar todos os ingredientes com um fuê. Peneirar a massa. Espalhar a massa na frigideira antiaderente com pincel ou colher – é óbvio que aqui em casa não tem pincel. Relaxa que com a costa da colher também dá certo. Não precisa virar a massa na frigideira. Sempre deixar no fogo baixo. Na hora de montar os harumakis, fazer uma mistura de farinha e água como uma cola para fechar bem a massa antes de fritar.
Não faço ideia de quanto rende essa proporção. O recheio dá pra fazer de qualquer coisa, né. Da última vez, fizemos um refogado de repolho verde e repolho roxo. Gosto de colocar abobrinha e cenoura ralada também. Harumaki normalmente não é o único prato do cardápio por aqui. Dá pra fazer junto com um yakisoba caprichado de vegetais (cenoura, brócolis, pimentão e bastante gergelim, o branco e o preto) ou com karê e arroz japonês. Pra completar, o sunomomo, o pepino agridoce -- não sou eu que faço, nem consigo passar a receita.
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baião de dois com casca de banana
Primeiro tem que guardar as cascas de banana no congelador quando for comendo a fruta.
Num dia sem pressa, descongele as cascas e deixe no molho com um pouco de vinagre, diz que é pra neutralizar o sabor. Corte ou desfie as cascas e faça um bom refogado com alho, cebola, pimentão, enfim, o que tiver na geladeira. Tem quem coloque beringela. É bom acrescentar um pouco de molho de tomate também. Reserve.
A parte da banana já foi. A parte do baião é mais complexa porque os puristas diriam que você deve começar a cozinhar o feijão fradinho e, no momento certo, colocar o arroz para que o arroz e o feijão fiquem no ponto ao mesmo tempo. Só fiz isso uma vez. Acabo misturando o que eu já tinha pronto e vida que segue. Até porque eu nem comia baião lá em São Luís. Isso foi uma invenção depois de começar a morar fora, vivendo essa experiência de “nordestina fora do nordeste”.
Voltando à receita, com o feijão e arroz prontos, é hora de incorporar o refogado de casca de banana e o queijo coalho grelhado e cortado em quadrados bem pequenos. A receita dispensa acompanhamentos. Se bem que eu não recusaria uma macaxeira frita.
Um adendo urgente: fui ali preparar a casca de banana pra comer com guacamole e pão sírio porque hoje foi um desses dias em que o abacate simplesmente decide estar maduro. Melhor respeitar o tempo do abacate pra evitar mágoas por parte da fruta, sabe como é. O que eu queria dizer é que finalmente tive a ideia de cortar as cascas de banana ainda congeladas. Todo o processo ficou infinitamente mais fácil. Sinceramente não sei porque insistia em descongelar antes. Fica aí o aprendizado.
outras doses
livros & lámen: perdas, faltas e estojos -- a edição mais recente da newsletter da gabi barbosa foi sobre esses pequenos acidentes do nosso dia a dia que desencadeiam toda uma mudança na gente. E tudo isso embalado pelas impressões de leitura de Norwegian wood, livro de Haruki Murakami que já li há alguns bons anos e adorei.
Mais ideias para adiar o fim do mundo -- entrevista com Ailton Krenak no podcast 451 MHz. No finalzinho do episódio, ouvimos o trem da Vale passando perto da aldeia Krenak, em Minas Gerais. Tem uma via férrea que cruza boa parte da cidade de Curitiba. Mas o som do trem me fez lembrar foi do movimento dos atingidos pela Estrata de Ferro Carajás, no Pará e no Maranhão.
saideira
Terminando a edição, vou ali preparar um quibe de lentilha. Sempre fiz quibe de abobrinha, esse vai ser um experimento. Aliás, abobrinha é um ingrediente manjado no meu cardápio. Fora a parmegiana, faço strogonoff, coloco no feijão ou só refogo mesmo pra comer como acompanhamento. Depois eu conto se o quibe de lentilha der certo.
Aceito receber recomendações de novos pratos. Quais são teus preparos preferidos do momento? Tô com o caderno de receitas na mão.
Eu tenho horror a cozinhar agarradinho! No máximo peço pra alguém picar alguma coisa seguindo instruções detalhadas. Não gosto de ninguém se metendo na minha comida (que nem é tão deliciosa assim, rs).
Eu acho que novas receitas mexem com nossa criatividade, às vezes até tiram a gente um pouquinho da zona de conforto, já que não dá pra saber se vai dar certo e parece sempre mais difícil fazer o diferente.
Adorei a crônica, como sempre.