Um breve guia para São Luís do Maranhão
#22 -- como começar a planejar sua viagem para a jamaica brasileira (ou: um passeio imaginado na minha cidade); não esqueça de tomar uma dose de tiquira
Como maranhense (3,22% da população brasileira) nascida em São Luís (agora o percentual cai para 0,52% da população) morando em outros cantos, já fui procurada algumas vezes para dar dicas de viagem sobre a minha cidade. Chegou o momento de compilar as recomendações num e-mail que você vai poder encaminhar pra quem quiser. Não fique triste se não tiver planos de ir a São Luís em breve (eu também não tenho), continue a leitura e aproveite o passeio.
Não espere dicas de uma local porque me mudei de São Luís há mais de dez anos. Não posso nem dizer que farei uma explanação sobre terras maranhenses porque nem o interior da minha família (São Bento, na baixada maranhense) conheço direito. Visitei a cidade uma única vez na vida.
Esse é um guia básico para você saber o que esperar depois de desembarcar na Ilha de São Luís. Já vai se preparando pro calor.
Caso você esteja lendo essa mensagem no futuro, dê uma olhada na página da newsletter para ver se o guia já foi atualizado (não estou me comprometendo a nada).
INFORMAÇÕES BÁSICAS
São Luís fica numa ilha. Na ilha, estão localizadas outras cidades: Raposa, São José de Ribamar e Paço do Lumiar. A capital mais próxima é Teresina, a mais ou menos quatro horas de viagem de carro se lembro bem (aparentemente, o trajeto demora cerca de sete horas. obrigada pela informação mais confiável, Danilo Rodrigues!). Belém fica longe. Fortaleza fica longe. O Maranhão fica no Nordeste.
Importante frisar que o nome da cidade é São Luís, tal qual no título deste texto e no artigo 1º da lei municipal 3.666/1994, que determina a grafia do nome da cidade de São Luís com a letra “s”, com acento agudo no “i”, e dá outras providências. Escrever “São Luiz” é equivalente a lançar um “Brazil” no meio de uma conversa.
Faz calor de verdade. Nas férias em São Luís, eu só uso calça jeans no voo de ida e no voo de volta. Leve roupas leves, beba água, cuidado com insolação. Já tive que cuidar de amigo sulista prestes a desfalecer. Use protetor solar (na minha primeira vez nos Lençóis Maranhenses, ainda criança, cheguei a queimar meu couro cabeludo).
“Preciso tomar cuidado com assalto?”. Em qual capital não precisa tomar cuidado com assalto? Hoje em dia tem até linha de ônibus com ar-condicionado, você pode (e deve) desbravar o sistema público de transporte urbano porque provavelmente vai acabar percorrendo longas distâncias. Aí não tem como esperar que uma corrida de aplicativo saia barato.
QUANDO IR
Agora mesmo, no mês de junho. Largue todos os compromissos, ignore o preço das passagens aéreas e parcele um voo para São Luís. Não tenha muitas esperanças de chegar lá de ônibus a não ser que queira passar muitos dias na estrada.
Junho é o mês do São João, a estação de chuvas já chegou ao fim, as lagoas dos Lençóis Maranhenses estão com nível alto de água e, se der sorte, a festa do Divino Espírito Santo pode cair no começo de junho (ou no final de maio). Chegando nessa época, dá pra acompanhar os festejos do divino em Alcântara, uma cidade histórica que é do lado de São Luís, basta pegar um barco no Cais da Praia Grande.
Mais pro final de junho, o imperdível seria o encontro de bois na Capela de São Pedro na virada da noite de 28 de junho para a manhã do dia 29. Para dar conta de ter um gostinho do que é o São João, basta ficar de olho na programação oficial do governo mesmo. A dica é procurar as apresentações dos seguintes grupos: Boi de Santa Fé, Boi de Macaranã, Boi da Maioba, Boi de Morros, Boi Barrica, Cacuriá de Dona Tetê. Veja se encontra alguma apresentação de tambor de crioula também.
Para escolher onde ver as apresentações, dê preferência para arraiais em lugares históricos (praça Nauro Machado, Ceprama, quem sabe Convento das Mercês). Ou vá para o arraial do Ipem mesmo, o espaço ali deve ser maior.
ONDE FICAR
No Centro Histórico, sem dúvidas. Só assim você vai conseguir fazer vários passeios a pé. Ficando na região do Reviver, um canto turístico no bairro Madredeus, pertinho do Terminal de Ônibus da Praia Grande, você estaria numa região relativamente segura. Por ali, tem lugares interessantes pra conhecer, lojas e restaurantes abertos até mais tarde e movimento de visitantes e de locais.
Existe a possibilidade de ficar hospedado perto do mar. Tem opções de hotéis e pousadas na Avenida Litorânea. Digamos que as praias não são o ponto forte de São Luís, principalmente se você tiver que depender de ônibus ou de carro de aplicativo. Eu deixaria as praias para os passeios mesmo.
O QUE FAZER
No Centro Histórico: visite a Casa do Maranhão, o Museu do Reggae (com visita guiada!), o Museu Casa do Tambor de Crioula, o Teatro Arthur Azevedo, a Casa de Nhozinho.
Caminhe pela rua Portugal, pelo Beco Catirina Mina e pelos arredores do Palácio dos Leões, a sede do governo. Vá na Praça Gonçalves Dias. Encontre o caminho até a Fonte do Ribeirão. Entre no Merado das Tulhas e compre uma garrafinha de tiquira para tomar uma dose (tiquira é uma bebida destilada à base de mandioca). Conheça o Solar Cultural da Terra (Maria Firmina dos Reis) e chegue na praça Deodoro, ali na frente da Biblioteca Pública Benedito Leite. Não necessariamente siga essa ordem.
No domingo, não deixe de ir na Feirinha de São Luís, que acontece das 9h às 15h na Praça João Lisboa, com música, comida maranhense e barracas com produtos locais. Repare na farinha, no feijão verde, no maço de vinagreira.
No litoral: faça como os moradores da cidade e ignore os índices de balneabilidade das praias. Dê um passeio na Avenida Litorânea. Conheça a Praia do Meio para comer um peixe frito no Bar do Capiau, tomar uma cerveja e fique o suficiente para ver a maré baixar ou subir.
Observe como os funcionários dos bares e restaurantes dançam com a maré, colocando ou tirando as mesas a depender do movimento da água. Quando o mar está enchendo, você vai mudando de mesa e de barraca, cada vez pra mais perto do restaurante. Até que nem tem mais pra onde mudar a mesa, e as ondas continuam se aproximando. O bom é passar pela dúvida: será que é hoje que o mar me leva?
Caso você esteja de carro, cuidado para não ser um dos turistas que estaciona na areia e pensa que a água não vai chegar. Ela chega, viu. A turistada que dá perda no carro com a subida da maré é um clássico das férias de final de ano.
Conheça a praia do Araçagy se quiser ter uma experiência parecida, mas com o diferencial da rede de pano armada na barraca. Faça um passeio nas praias da Raposa. Dê uma procurada no passeio náutico pela orla de São Luís.
Para praias mais reservadas, veja se consegue ir na Praia do Amor e no Mangue Seco. Se precisar escolher uma, vá no Mangue Seco. Chegar lá não é tão simples. É uma das poucas praias de São Luís que não dá pra chegar de carro na areia. O visitante precisa ver o horário da maré pra poder ir caminhando do acesso da rua até à praia, depois de deixar o carro no estacionamento. Parece que quando a maré está cheia, precisa atravessar um canal de barco. Não tenho certeza, nunca precisei.
Jamaica brasileira: para conhecer o jeitinho maranhense de dançar reggae, vá no Bar do Nelson (Avenida Litorânea) ou o Bar do Porto (Centro Histórico). O Chama Maré (Ponta d’Areia) ainda existe?
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Quase esqueci, o espigão da Ponta d’Areia também é ponto turístico. A vista é bonita e você pode aproveitar para conhecer o bairro com o metro quadrado mais caro da cidade (que eu saiba). Se passar pela Lagoa da Jansen, repare na estátua da serpente afundando nas águas. A lenda da serpente conta que existe uma serpente nas galerias subterrâneas de São Luís e que, no dia em que essa serpente crescer a ponto de a cabeça encontrar o rabo, a ilha afunda. Na homenagem feita por uma governadora, quem acabou afundando foi a serpente.
O QUE COMER
Pra quem é de de frutos do mar, um passeio clássico é almoçar caranguejo num dos quiosques-restaurantes da Avenida Litorânea. Tem quem prefira o Estrela D’Alva. A minha família só come na Barraca da Marcela. O prato de sempre é o caranguejo simples, com arroz de toucinho, vinagrete e farofa. Para quem não se garante no manejo das ferramentas do caranguejo toc-toc, dá pra pedir uma casquinha de caranguejo mesmo.
O prato típico maranhense é composto pelo arroz de cuxá, um pequeno pedaço de torta de camarão, outro pedaço mais generoso de torta de caranguejo, vatapá e farofa. O ideal é comer a iguaria num arraial da cidade. Se não conseguir chegar a tempo do São João, também dá pra encontrar na Feirinha de São Luís. Bom chegar cedo no domingo de manhã antes que a torta de camarão acabe.
Sabores diferentes: coma pitomba na praia; experimente tudo o que puder de cupuaçu e bacuri (mousse, trufa, suco, sorvete); veja se encontra um lugar pra comer juçara (“nosso açaí”) com farinha e camarão seco; tome sorvete de juçara e de tapioca na sorveteria Mr. Cold (no Centro Histórico); beba guaraná jesus, prove o doce de espécie (melhor ainda se for em Alcântara).
Restaurantes de culinária maranhense: Cozinha Ancestral (no Centro Histórico, visita obrigatória) Cafofinho da Tia Dica (no Centro Histórico), Çava Gastrobar (no Calhau $$$), Casa de Juja (no Vinhais), Cabana do Sol (na Avenida Litorânea e na Ponta do Farol).
Alerta aos vegetarianos e veganos: não vai ser fácil encontrar comida típica sem ingredientes de origem animal.
+++ Café Guará (café no Centro Histórico); Empório Casa Real (outro café, pertinho do Palácio dos Leões); Veganëra (marmitas veganas); Bar do Léo (opa, lá é um bar mesmo, nunca comi no lugar); O Rei do Beiju (barraca clássica de “tapioca” recheada no Centro Histórico); Gafanhoto’s (o restaurante vegetariano e vegano da cidade).
ARREDORES DE SÃO LUÍS
Não tem como chegar perto de São Luís sem a intenção de conhecer os Lençóis Maranhenses. O parque nacional formado por mais de 150 mil hectares de dunas e lagoas tem três cidades como porta de entrada: Humberto de Campos, Santo Amaro e Barreirinhas.
A cidade mais turística (e, consequentemente, mais fácil de se achar) é Barreirinhas. Santo Amaro já foi um destino mais alternativo, mas vem recebendo mais turistas desde que a estrada asfaltada chegou na cidade. A melhor forma de ir a partir de São Luís é de van de turismo (mais ou menos três horas de viagem). O trajeto de ônibus demora mais por causa das paradas no caminho.
Agora o lugar da moda (e da gentrificação) é o povoado de Atins, já na beirada do campo de dunas, a Morraria. Pra chegar lá, precisa sair de barco ou veículo 4x4 a partir de Barreirinhas mesmo. Não importa para onde você decida ir, só recomendo tentar fugir dos passeios mais clássicos (e mais curtos) tipo sair de Barreirinhas e ver apenas o pôr do sol na Lagoa Bonita.
Qualquer canto dos Lençóis é impressionante. Agora ver aquela paisagem com mais privacidade é outra coisa. Caso o seu tornozelo permita, dá pra fazer a travessia de Barreirinhas a Santo Amaro (ou vice-versa) passando pelos povoados (e oásis) Baixa Grande e Queimada dos Britos.
+++ Alcântara: passeio que dá pra fazer num dia só. O horário do barco saindo de São Luís depende do horário da maré. Se você chegar cedo, vai até duvidar que a maré estará cheia o suficiente pro barco sair. Aguarde, veja o sol nascer e aos poucos o canal vai enchendo. Caminhe pelas ruas de pedra, veja as ruínas, visite museus, conheça as praias, almoce bem e veja se consegue descobrir alguma coisa sobre a Festa do Divino.
AMBIENTAÇÃO
(Essa parte é pra quem gosta de fazer dever de casa antecipado)
Para ler: Úrsula (Maria Firmina dos Reis); Os Tambores de São Luís (Josué Montello); Digo te amo para todos que me fodem bem (Seane Melo); Cidade Espanto (Clarissa Carramilo); Poema Sujo (Ferreira Gullar); Além das Lendas (Iramir Araújo).
Para ouvir: Zeca Baleiro; Alcione; Pabllo Vittar; João do Vale; Criolina; Rosa Reis; a playlist São João do Maranhão.
Para conhecer uns artistas que você pode reconhecer nas paredes da cidade ou comprar umas artes: Romildo Rocha, Waldeilson Paixão; Silvana Mendes; Gê Viana.
+++ Picos Maranhão (mais dicas de passeios no Maranhão todinho); Casarão Laborarte (quem sabe não tenha oficina de cacuriá na data da sua visita); Casa das Minas (essa é pra quem leu Um defeito de cor de Ana Maria Gonçalves); Pedal das Minas (para dar um rolê de bicicleta com minha irmã).
De opção vegana tem o Gafanhoto's também. E senti falta do maior e melhor boi de todos, Boi da Maioba!
E uma atualização, de São Luís pra Teresina, nas últimas vezes que fiz o trajeto, dá umas 7h de carro, mais ou menos. No mais, muito bom o guia! Como um maranhense também desterrado, deu pra matar um pouco a saudade.