Hollywood maranhense
#4 -- Maranhão, meu tesouro, meu torrão; nostalgia; não foi dessa vez que expliquei o São João do Maranhão; esqueci de pensar num Bacurau
Junho acabou e ainda estou sentindo o peso de não ter visto o São João. Lá no Maranhão – e quando digo Maranhão, estou me referindo a São Luís – as festas juninas têm uma importância maior que em outras cidades onde já morei. Em Floripa, tomava quentão da Igreja da Trindade na Festa da Laranja. Em São Paulo, era uma das primeiras a chegar na quermesse da Consolação. Aqui em Curitiba, experimentei o quentão com marshmallow na feirinha da praça Osório e cozinhei pinhão em casa, até aprendi a descascar o pinhão com a boca. Nada que chegue perto da comoção das festas em São Luís. O São João é uma festa popular, a cidade se transforma. Tem arraial em bairro, no Centro Histórico e até em estacionamento de shopping. Todo lugar tem mingau de milho pra vender, o cheiro de pólvora invade os bairros de tanta bombinha que é estourada. De longe, fico na saudade. Só piora não saber se no ano que vem as festas juninas voltam a acontecer.
Antes de começar um manifesto sobre como o São João do Maranhão deveria ser mais conhecido, resolvi imaginar enredos que teriam as nossas festas juninas como pano de fundo de filmes, séries e até de programa de TV. Se aparecesse mais na cultura pop, quem sabe o nosso bumba meu boi deixaria de ser confundido com o boi-bumbá do Amazonas. Ficou faltando só o filme da Globo que teria uma visão estereotipada sobre as nossas tradições, deixando o espectador com a certeza de que o Maranhão fica no sertão de Pernambuco.
Episódio do Masterchef: Na prova, os cozinheiros amadores teriam que preparar o prato típico maranhense: arroz de cuxá, vatapá, farofa, torta de camarão e torta de caranguejo. A sobremesa obrigatória seria mingau de milho. Durante a competição, Paola Carosella corrigiria, com a classe de sempre, quem ousasse chamar o nosso mingau de milho de outro nome. Não, hoje não é munguzá e muito menos canjica. É pra chamar de mingau de milho mesmo. Seria satisfatório ver os participantes lutando contra a vinagreira para o arroz (uma planta que deve ter as folhas cozidas e trituradas com a costa da faca antes de ir pro refogado) ou com a farinha d’água. Provavelmente algum cozinheiro desavisado nunca teria visto uma farinha que precisa ser batida no liquidificador antes de ir pra frigideira.
As tortas são feitas com uma massa de ovo e pouca farinha, não são muito pesadas, boas pra comer numa noite de arraial. O verdadeiro prato maranhense tem só um pedacinho de torta de camarão e um pedaço muito mais generoso da menos disputada torta de caranguejo. Ana Paula Padrão contaria aos jurados uma história de viagem aos Lençóis Maranhenses. Jacquin iria reclamar da combinação do prato, criticando a mistura de diferentes comidas. Fogaça faria algum comentário sem graça sobre cultura brasileira. Bom mesmo seria ouvir Paola falando sobre como a cozinha maranhense é influenciada pelo norte e pelo nordeste. Ai ai, que fome.
Comédia romântica opção 1: Marcela nunca foi muito fã de São João, mas é convencida a virar a noite do dia 28 de junho e amanhecer na capela de São Pedro no encontro de grupos do bumba meu boi. Os amigos dela garantiram que o rolê tava massa, agora valia a pena. No festejo, é a vez de Marcela comprar cerveja com um ambulante quando ela conhece Teresa, que participa do cortejo desde pequena, e as duas vivem uma noite/madrugada de romance com direito a discussões sobre o lugar das tradições na sociedade e como esses costumes devem ser respeitados. Um dos amigos de Marcela tentaria ouvir funk ou sertanejo ou mesmo forró numa caixinha de som e seria repreendido. Elas terminam a manhã tomando café da manhã juntas e depois cada uma iria pra sua casa. O final fica em aberto, dando margem para que outro filme continue a história a partir do dia de São Pedro do ano seguinte.
Episódio de série policial: Na apresentação do Boi Unidos de Santa Fé, do Bairro de Fátima, o boi cai desmaiado no palco como se estivesse encenando a morte do bicho depois que Mãe Catirina insiste que quer comer a língua do boi pra saciar o desejo de grávida. O boi nunca levanta, Pai Francisco se espanta, os cazumbás tentam disfarçar o imprevisto, o público não entende é nada. Logo depois, a revelação: o brincante morreu no palco! Depois que a indumentária é retirada, descobrimos que não era Leonardo que estava ocupando o posto de miolo de boi. Quem era aquele rapaz com um tiro certeiro na cabeça? Havia sido morto por engano? O assassino queria matar Leonardo ou atingiu o alvo certo?
Animação da Pixar: Nos moldes de “Viva, a vida é uma festa”, a animação maranhense contaria a história de Bibinha (apelido para Ribamar) que nasceu numa família de advogados focados na carreira e que nunca têm tempo para festas juninas. O menino é impedido de participar até dos arraiais do colégio particular em que estuda. Numa dessas, revoltado porque ele não poderia cumprir seu dever como noivo da quadrilha da escolinha, ele foge para o centro da cidade, pega ônibus pela primeira vez na vida e caminha pelas ruas do Centro Histórico, o nosso Reviver, e visita alguns pontos turísticos como o Mercado das Tulhas, a rua Portugal e, finalmente, o museu Casa do Maranhão.
No museu, reconhecendo o sobrenome da família, Bibinha descobriria que seu falecido avô materno – que morreu antes de o menino nascer – foi um dos pioneiros do Boi da Maioba (aos forasteiros, aviso que Maioba é um bairro de São Luís). Talvez seria o bisavô, depende da época do filme. Os pais dele não gostavam de comentar sobre o passado da mãe, sobre os avós e tios e primos que ele nunca chegou a conhecer direito. Agiam como se a vida dela tivesse começado na faculdade de direito. Ele só tinha contato com a família paterna, que morava nos bairros mais ricos da cidade (Olho d´Água, se fosse casa; Ponta d’Areia, se fosse apartamento).
Naquela tarde no Reviver, saindo do museu, Bibinha compraria um sorvete de bacuri na rua e faria amizade com o filho do vendedor, que iria com ele nos outros centros culturais do entorno (Museu do Reggae; Casa do Tambor de Crioula; Casa de Nhozinho). Na boca da noite, os dois meninos seguiriam para o arraial na praça Maria Aragão, ali perto, quando Bibinha veria uma apresentação do Boi da Maioba pela primeira vez. Dali em diante, o protagonista perseguiria o grupo em todos os arraiais da cidade até se aproximar da parte de sua família materna que ainda mantém a tradição do boi. Seria um filme também sobre essa mulher que perde o vínculo com o passado quando se casa com um homem de outra classe social, também sobre como aos poucos Bibinha ia se enxergando como um menino negro ao se identificar tanto com a família materna. Eu gosto muito do apelido Bibinha, mas provavelmente esse personagem teria outro nome (Andrei; Luiz Henrique; talvez Enzo) se a família realmente tentasse se desvincular da origem da mãe. Talvez o nome dela fosse Jussara.
Episódio de drama médico: São Luís, seis da tarde, céu escuro. Acidente na Avenida Jerônimo de Albuquerque, trânsito infernal. Dois ônibus com brincantes do Boi Barrica e do Boi de Morros se envolvem num acidente complicado perto da Curva do 90. O hospital mais perto, aquele com nome de santo, recebe os acidentados depois que as ambulâncias conseguem superar o maior obstáculo do caminho: o engarrafamento no Elevado da Cohama. Na emergência, a chefe de cardiologia aguarda, nervosa, a chegada dos acidentados para saber se sua irmã, do Boi Barrica, está entre as vítimas que sobreviveram.
Uma dançarina do Barrica (talvez justamente a irmã da cardiologista) e um índio do Boi de Morros estão presos na mesma ferragem e se apaixonam antes da cirurgia, sem saber se os dois sobreviveriam ao procedimento. Um dos cantores quer fugir do ambulatório e seguir para o arraial, alegando que só sente uma “dorzinha de cabeça”, antes de descobrir que tem um tumor gigantesco no cérebro que precisa ser retirado imediatamente (e, claro, que pode afetar a sua habilidade de falar). Uma das residentes chega com alguma parte do corpo quebrada, precisando do atendimento da equipe de Ortopedia, e só assim os médicos e enfermeiros ficam sabendo que ela era uma brincante de boi. O hospital está um caos, lotado de pessoas com as fantasias dos dois grupos. Em algum apartamento do terceiro andar, os instrumentistas da orquestra do Boi de Morros se reúnem para tocar uma música na tentativa de incentivar o cantor a acordar do coma pós-cirúrgico.
Comédia romântica opção 2: Duas mulheres se conhecem nas oficinas de cacuriá (dança tipicamente maranhense com influências da festa do Divino Espírito Santo). Júlia é dançarina do Cacuriá de Dona Teté e participa das aulas como instrutora para aproveitar o treino antes dos ensaios oficiais do grupo. Meire é vaqueira do Boi de Axixá e teve vontade de participar da oficina para se envolver ainda mais com o São João. Ou melhor, o que ela queria mesmo era se inserir em outros círculos sociais, evitando encontrar a ex-namorada que é índia no mesmo grupo de bumba-meu-boi. O filme acompanha a aproximação das duas até que Meire precisa abandonar as aulas porque não dá mais pra continuar faltando os ensaios que ela deveria estar frequentando. Será que o interesse das duas vai sobreviver à separação?
No final de maio, Júlia se infiltra no ensaio do boi pra chamar Meire a um encontro, mas dá de cara com ela e a ex conversando na maior intimidade, como se fossem namoradas, e vai embora sem falar nada. Meire nem fica sabendo. As duas se encontram novamente na primeira noite do Arraial do Ipem. O destino das duas foi unido pela programação da noite. 21h: Cacuriá. 22h: Boi de Axixá. Meire chega no arraial, vê Júlia dançando e não consegue se segurar mais. Espera na saída do palco, esclarece que não tem mais nada com a ex-namorada e elas ficam juntas. Na cena final, já em outro dia, outro arraial, um dançarino de cacuriá não consegue chegar a tempo e Meire substitui o faltante, formando par com Júlia. Coisa mais linda elas dançando “Assar cana, cana pra assar”.
outras doses
REFRESCOS - #2 Hobbies -- "Por muito tempo tive essa mania de me interessar só pelo que eu era ruim e podia provar com clareza esse fato. O sucesso não tem graça e ganhar moletom de loja de surf não era incentivo algum. Fui muito mais feliz em atividades onde eu fracassava grotescamente"
[Leia Mulheres Curitiba - Leituras do Segundo Semestre] -- dá pra acompanhar as novidades do Leia por newsletter. Tenho uma ligação forte com o clube daqui porque fui bem acolhida desde a minha primeira participação. E o clima das discussões virtuais são parecidas com a nossa dinâmica presencial. Vai ter até Alice Munro em outubro! A próxima leitura é A composição do sal, da escritora boliviana Magela Baudoin, e o encontro vai ser no dia do meu aniversário. Estarei lá com um drink na mão.
O retorno de AV -- Anna Vitória se despediu do projeto 27caos com o texto 461 dias com ela e estreou a nova temporada da newsletter No Recreio com Jubileu:
Sinto cada vez mais que meu lugar é justamente o de explorar esse limite entre o caos e o sentido que damos a ele, a fresta de ar que circula entre as duas coisas e a aventura que é se deixar bagunçar por ela. É por isso que gosto tanto desse nome, No Recreio: é uma pausa, um respiro entre atos, uma permissão para relaxar e curtir espremida entre momentos de rigidez afogados em vida real, e que precisa muito do espaço da caixa de entrada para existir.
Boletim. Desde a sexta-feira passada estou pensando nessa palavra: bo-le-tim. Na última edição de Tá Todo Mundo Tentando, Gaía Passarelli passou a adotar o termo boletim pra falar de newsletter, motivada pelo seguinte tweet:
Faz sentindo, não? Pra falar a verdade, não sei se já me acostumei a essa ideia porque boletim me parece antigo, como um folhetim. Não sei. Seria bom ter uma tradução. Vou tentar usar mesmo assim.
Morei quase cinco anos em São Luís... O Maranhão entrou no meu coração para sempre! Lembrar do São João me trouxe uma melancolia gostosa.