Apocalipse zumbi
#34 -- The Walking Dead, a série que foge da minha zona de conforto; e uma dúvida sobre ser ou não ser um saco de batatas
Será que eu tenho instinto de sobrevivência?
Para me ajudar a responder essa pergunta, vi no ano passado as onze temporadas de The Walking Dead, produção que foi ao ar entre 2010 e 2022. A série é sobre um grupo de sobreviventes tentando construir uma comunidade decente pra morar depois que toda a população foi contaminada por uma doença que transforma qualquer pessoa num zumbi após a sua morte. Não importa qual seja o motivo da morte. Todo mundo vai virar zumbi.
Em qualquer filme com adversidades extremas, principalmente os de terror em que os personagens são atazanados por duas horas só para serem mortos no final, eu costumo pensar que daria um jeito de desistir, sair de cena, me entregar para o monstro. Comigo essas histórias não ganhariam corpo. Eu, se fosse a irmã mais nova de Michael Myers, seria morta em poucos minutos. Halloween seria um curta-metragem, não uma franquia de treze filmes.
Logo no final da primeira temporada de The Walking Dead, o grupo de sobreviventes chega a um centro de pesquisas habitado naquele momento pelo último cientista vivo do lugar. Um pesquisador frustrado por ter perdido a família, por não ter descoberto a cura para a contaminação-zumbi.
O centro de pesquisa está programado para se autodestruir quando os recursos para sua manutenção estiverem acabando. Combustível, água, comida. A contagem regressiva para a explosão do local começa. O pesquisador oferece uma saída aos personagens principais da série: ir embora ou se deixar explodir.
“Tu é uma mulher ou um saco de batatas?”, mamãe perguntava quando eu me acovardava nas situações mais banais. Num apocalipse zumbi, pode ter certeza de que eu seria um belo de um saco de batatas.
Explosão. Fim da série já na primeira temporada. Poderia ter sido assim.
Aqueles personagens, liderados por um xerife de cidade de interior, foram mais corajosos. Saíram do prédio antes da explosão e iniciaram uma peregrinação repetitiva pela sobrevivência.
Acampamento, início de uma comunidade. Regras são estabelecidas. Novas pessoas vão chegando. Pequenos grupos saem em busca de mantimentos. Alguns morrem, outros sobrevivem. A gasolina em carros abandonados como um recurso infinito. Um outro grupo ameaça essa comunidade incipiente. Guerra. O maior perigo é sempre encontrar outro ser humano. Cuidado em quem você confia.
Qual o ponto de seguir tocando os dias apenas para sobreviver? Precisar criar estratégias de segurança, arrumar o que comer, tentar se manter vivo. Não é isso que fazemos sempre? Talvez com um pouco mais de lazer. E só.
Não recomendo refletir muito sobre o sentido da vida vendo uma série de apocalipse. Melhor pensar em defesa pessoal.
O barulho das armas de fogo atrai mais zumbis. Metralhadora só para situações emergenciais. A arma ideal pra mim seria o arco e flecha. No meu tempo livre, fabricaria minhas próprias flechas, sentindo falta da companhia de um audiolivro. Talvez conseguisse convencer alguém a ficar lendo em voz alta pra mim. Mas é claro que não sairia de casa sem pelo menos três facas comigo. Se uma faca fica presa na cabeça de um zumbi, pelo menos teria outras duas.
Numa situação de salve-se quem puder, como no universo de The Walking Dead, os esperançosos pensam que aí está uma forma de corrigir os problemas da sociedade antes da queda. Na série, mulheres em posições de comando não têm o seu poder questionado por serem mulheres. O racismo deixa de existir. Casais gays não sofrem preconceito só para que o agressor tenha a punição exemplar que não acontece na vida real. Mulheres se relacionam com outras mulheres. Todas as namoradas de Tara, a lésbica com maior tempo de tela, morrem poucos episódios depois do início do relacionamento. Mas aí a gente dá um desconto porque muita gente morre nessa série mesmo. É zumbi que não acaba mais.
Nessa semana, vi dois filmes de apocalipse zumbi com finais opostos. Em Madrugada dos mortos (2004), os personagens executam planos mirabolantes pra acabar morrendo na praia. Na praia mesmo, depois de descer de um barco numa ilha onde supostamente seria mais fácil enfrentar os zumbis.
No filme sul-coreano #Alive (2020), os protagonistas são salvos pelo exército. Ainda existia alguma forma de governo, o que não é comum de ver nesse tipo de narrativa. Se bem que esse mais parece uma comédia romântica com zumbis no plano de fundo. Não dá pra resistir a uma boa história de amor.
O final trágico leva a um sentimento de frustração. O final feliz deixa a impressão de que foi tudo muito simples. Parece que nem sofreram o suficiente.
A minha novelinha de zumbis termina com um final em aberto. O universo The Walking Dead foi desmembrado em pelo menos quatro spin-offs (que eu saiba), duas delas já lançadas. Ficar decepcionada com o final é a única forma que eu conheço de assistir a uma série. Um melhor final seria se o grupo de sobreviventes (poucos deles sobreviventes desde a primeira temporada) tivesse perecido por um ataque de zumbis. Ou numa batalha com um grupo rival.
Não seria uma derrota. Tudo o que viveram teve o seu propósito. Conseguiram o mais difícil que foi colocar em mim um mínimo de vontade de sobreviver num mundo apocalíptico sem internet.
O lado ruim da coisa foi perceber que eu seria a personagem mais insuportável de todas. A que registra os acontecimentos do novo mundo e depois escreve um livro de memórias.
Se a gasolina continuou prestando, com certeza eu iria encontrar uma fita de máquina de escrever que quebrasse um galho.